Série História do Wing Chun no Brasil - Entrevista com Sifu Li Hon Ki em 1995

 Entrevista Mestre Li Hon Ki - 1995










Li Hon Ki (1952-2016) trouxe ao Brasil inúmeras inovações técnicas de diferentes linhas que praticou. Na foto ele demonstra Tan Sao na sua forma Sil Lin Tao e sua respectiva aplicação com Sifu Florentino.

 WING CHUN, WING TSUN, WING CHUN OU VIN TCHUN, NÃO IMPORTA COMO O NOME DESSA ARTE É ESCRITO.

O QUE IMPORTA É A SUA EFICIÊNCIA.

A partir desta edição estaremos mostrando o trabalho do Mestre Li Hon Ki que, curiosamente, após estar 15 anos no Brasil ensinando o Hung Gar, o Tai Chi e o Wing chun, transferiu para o seu discípulo Gilberto Giovani o controle do estilo Hung Gar, e partiu rumo à Virgínia, nos Estados Unidos, onde ficou por um período de um ano e meio desenvolvendo o Wing chun com o Grão – Mestre Duncan Sil Hung Leung que na realidade é um comerciante de sucesso, não vive da arte marcial. Dá aulas somente para a elite do exército norte-americano, e é o único mestre reconhecido pelas forças armadas ianques. Ele dá aulas para o pessoal do FBI e da marinha daquele país.














Qual o nome de seu atual Mestre de Wing chun?
“Meu mestre reside atualmente nos Estados Unidos. Seu nome? Duncan Sil Hung Leung”.

Qual o motivo de sua ida aos Estados Unidos?
“Fiquei mais de um ano nos Estados Unidos e lá treinei com meu mestre, e senti que pela primeira vez treinei Wing chun de verdade, pois, antes, havia treinado com cinco mestres da arte e nunca fiquei tão satisfeito como fiquei ao treinar com meu mestre atual”.

Por que treinou com cinco mestres?
“Comecei a praticar o estilo Wing chun em 1968 e após alguns anos de pratica não me sentia satisfeito com meu primeiro mestre, não porque não quisesse me ensinar, mas sim porque sentia que faltava alguma coisa. Então procurei outros mestres para tentar esclarecer minhas dúvidas e assim, em vinte e cinco anos de prática do estilo Wing chun, treinei com cinco mestres. E mesmo assim, aquela dúvida que sentia dentro de mim continuava, e sempre que precisava usar minha arte percebia que aquelas técnicas de Wing chun não funcionavam. Isso até encontrar meu atual meu atual mestre Duncan Sil Hung Leung, pois, a partir daí, descobri que o Wing chun é a melhor arte marcial que conheci”.

Na sua opinião, o que uma pessoa busca na prática de uma arte marcial?
“Dei aulas de Kung Fu, não somente de Wing chun, mas sim de vários estilos e digo aos meus alunos que não vou ensiná-los a bater em outra pessoa porque você pode ver em brigas de rua que até as crianças que nunca treinaram arte marcial sabem bater e sendo assim o que ensino para meus alunos é aprender a não apanhar, porque para não apanhar você precisa treinar arte marcial, e no Wing chun todos sabem que o fundador dessa arte é uma mulher e por mais que treine, uma mulher não vai atingir a força e o vigor físico de um homem e por essa razão o Wing chun é um estilo diferente de outros estilos de arte marcial, pois torna o praticante capaz de vencer um oponente muito mais forte do que ele, já que usa a força juntamente com a energia do oponente e isso torna o ataque mais forte, possibilitando derrubá-lo, apesar das diferenças de peso e tamanho”.

Fale sobre o aspecto técnico de sua arte.
“O estilo Wing chun usa técnicas de defesa de forma que esta sirva também como um ataque, e o ataque pode funcionar também como bloqueio e existem ainda formas de proteger o corpo através do domínio de três linhas, a da esquerda, a da direita e a central, não dando condições ao adversário de entrar com o ataque. Quando o praticante aprende a proteger-se através do domínio dessas três linhas, fica muito difícil golpeá-lo”.

Como são divididos os treinamentos e técnicas de luta?
“O Wing chun pode ser dividido em três níveis: o primeiro ensina ao praticante como usar o braço para defesa; o segundo usa o braço e a perna para defesa; e o terceiro usa técnicas que tornam possível interceptar o ataque do oponente. Nessas técnicas não existe distinção entre defesa e ataque, pois as técnicas de defesa servem para defender-se e, juntamente, para machucar o adversário durante o seu ataque, e se o praticante usa um ataque, este serve, também, como defesa.

O Wing chun não usa defesa para bloquear e depois contra-atacar, mas num único movimento, no qual tudo está incluído.

O Wing chun possui um método de desenvolvimento de energia no qual os exercícios como flexões, por exemplo, são bem distintos de outros métodos e desenvolvem o trabalho interno do soco (chee hung choi), assim como o exercício abdominal não serve apenas para desenvolver o abdômen, mas desenvolve a energia necessária para a prática do chute.”

O Wing chun é famoso por usar técnicas de curta distância. Essa técnica é mais eficiente do que as técnicas de longa distância utilizadas em outros estilos?
“O Wing chun possui técnicas de longa e de curta distância e as duas possuem igual valor. Nas técnicas de longa distância é utilizada a energia do ombro, e na técnica de curta distância, a força do cotovelo.”

Qual a importância da base no Wing chun?
“A base do Wing chun é bem diferente de outros estilos. Todas as bases partem da base principal que é chamada pela maioria dos praticantes de Wing chun de “Yee (dois) Ji (letra) Kim (fechado) Yeung (carneiro) Ma (base) e a forma correta de pronunciar-se é Yee Jii Kim Yeung Ma.

Essa diferença é tão importante que se o praticante de Wing chun não souber o nome certo dessa base, seu caminho já está errado. Cada mestre montou seu próprio jeito de base, mas se você souber o certo, não precisa montar nada, pois só com o jeito certo é possível soltar a energia e aplicar a técnica corretamente. Esse método possibilita soltar a energia do quadril e ombro para executar com eficiência a técnica “Chee Hung Choi” (soco do sol) que utiliza, além da base, quadril e ombro, a energia do cotovelo.”

Quem aprende a forma do Biu Je já pode se considerar um praticante avançado de Wing chun?
“O Wing chun possui três katis (formas) de mão: o ‘Siu Lim Tao’, ‘Chun kiu’ e ‘Biu Je’, e o fato de conhecer essas três formas não quer dizer que o praticante saiba utilizá-las durante um combate. Saber apenas as formas é semelhante à pessoa que sabe as letras do alfabeto (a,b,c,d,...) e não consegue encaixá-las nas palavras.

A teoria do Wing chun posta em pratica é como dar um ‘tapa na água’. Você afunda a água de um lado e ela levanta do outro.

No Wing chun, quando o praticante faz o primeiro movimento, ele já sabe qual será o segundo movimento a ser utilizado, devido ao treinamento de sensibilidade do ‘Chi Sao’.

Em outras academias, você aprende primeiro filosofia, história e um monte de Katis; e o aspecto marcial da arte, a luta em si, fica como promessa de que um dia ele a aprenda de verdade e fique bom de luta. E quando o praticante olha para trás, já se passaram 3, 5, 10 até 20 anos e ele continua sem segurança, sequer para dar um soco que seja realmente eficiente. Na minha academia não é assim, o aluno aprende primeiro a se defender e não apanhar na rua; depois de ficar bom em luta, começa a aprender a filosofia e a história do estilo.”

Por que o senhor dá tanta importância ao aspecto marcial, a luta em si, enquanto que outros mestres colocam este aspecto em segundo plano, dando preferência à arte, filosofia e história do estilo?
“Hoje em dia, para se iniciar numa arte marcial tem de ser muito rápido, porque você pode ter problemas nessa sociedade deturpada e violenta. Temos de desenvolver a prática, e a qualquer instante aprender a lutar e se defender na rua o mais eficiente e rapidamente possível.

Um bom mestre de arte marcial é como um médico, que pode salvar a vida de uma pessoa como também matá-la, porque se esse mestre enganar o aluno, este pode este pode achar que é bom e quando precisar se defender na rua pode vir a ser morto. Mas se o aluno aprender a técnica verdadeira, isto pode salvá-lo de um grande perigo. O mundo está mudado, e assim os métodos de ensino das artes marciais devem acompanhar essa mudança, contudo, sem perder a sua tradição milenar. Na minha academia, primeiro o aluno deve preparar bem o corpo, aprimorar sua técnica e só depois é vai praticar Wing chun como uma arte.

Quando uma pessoa entra numa academia, ela não está procurando apenas uma boa saúde que é somente uma parte do seu objetivo, isto porque se for treinar só pensando nisso, então é melhor que pratique Cooper, natação ou jogue futebol. Mas se essa pessoa escolhe a arte marcial é porque busca, além da saúde, proteger seu corpo de um perigo que possa prejudicar sua vida, sua saúde, seu bem-estar físico e mental, e o da sua própria família. Quanto ao aspecto espiritual posso dizer que o nosso corpo é como um templo, onde habitamos em espírito e devemos protegê-lo para que o espírito possa ficar nele o tempo determinado a cumprir sua missão nesta vida.”

Por que o Wing chun difere de mestre para mestre, enfim, porque o Wing chun é diferente nos estilos?
“Yip Man tem um só Wing chun, mas ele não ensinou a fundo essas técnicas, e quando seus alunos perguntavam se estavam bons, Yip Man apenas concordava dizendo, ‘sim, você está muito bom, está ótimo’. E esses alunos, que hoje são mestres, acham que são mesmo muito bons, mas na verdade nenhum deles, exceto meu mestre Duncan Sil Hung Leung, aprendeu os níveis avançados de Wing chun.

Fica difícil provar a palavra do meu mestre porque Yip Man já morreu, então, a única maneira de provar é com os meus punhos, e se alguém acha que possui técnicas secretas ou avançadas do patriarca Yip Man, eu o convido a vir a minha academia e então vou mostrar qual técnica é a melhor do Wing chun, tanto em luta como em Chi Sao.

Meu mestre teve aulas particulares com Yip Man por 4 anos e diz que os dois alunos mais antigos do patriarca que ainda vivem são o Grão-mestre Lok Yiu e Choi Seun Tin, e ambos afirmam que o único que sabe o Wing chun completo é o meu mestre Duncan Sil Hung Leung.”

Mestre, quais são as suas palavras finais, enfim, que mensagem gostaria de transmitir aos que levam a sério a prática do estilo Wing chun?
“As técnicas do Wing chun devem ser treinadas de maneira repetitiva e contínua, pois só através da prática que se torna possível assimilar o conteúdo do sistema e adquirir um grau de sensibilidade e percepção suficiente para serem utilizadas em combate.

Se você está interessado em aprender Wing chun tem de estar disposto a praticá-lo de corpo e alma, mas se treinar Wing chun somente porque é o estilo que Bruce Lee aprendeu ou porque achou bonita a propaganda na revista, então nunca aprenderá Wing chun com sucesso. Você deve procurar entender se o Wing chun é realmente o que está buscando para si dentro dos estilos de artes marciais, e se for, aí sim, com certeza você aprenderá essa arte.”

Nota: na próxima edição*, Mestre Li Hon Ki mostrará alguns aspectos técnicos de sua refinada arte do Wing chun. ■

*Entrevista concedida por Mestre Li Hon Ki à revista Kiai em 1995.

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